quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

As várias mortes de uma mãe

Vocês me dão licença. Vou até sentar aqui porque esse post vai doer. Ele vai falar de uma morte que a gravidez me trouxe. Uma não: várias.

Aqui nesse mesmo blog, há algumas semanas, escrevi sobre meu incômodo com a licença maternidade. Sem explicar demais e em apenas uma frase. Mas isso bastou para trazer outros incômodos. Procurando ampliar a discussão de forma bacana com as pessoas que me questionavam, encontrei esse vídeo aqui, que falou por mim:


E dele, veio o Eduardo Augusto B. Santos, escritor, e me mostrou esse texto. E esse texto, cara... Booooooom!

Olhei pro lado e vi minha história de fora. Achei que precisava falar. Apesar de relutar sempre e tanto contra isso, quero contar 3 das inúmeras mortes que passei para minha filha nascer. E vou fazer isso de um jeito tão honesto que, claro, muita gente vai se incomodar. O legal de ser um zumbi é que a gente não se importa mais com essas coisas... ;)

Primeira morte: a gravidez é um óculos que te faz ver a real intenção das pessoas

Não sei se acontece com todo mundo, se é um mecanismo maluco de defesa da mãe mas aconteceu comigo. No começo doía, eu queria parar de ver,  de perceber, de absorver demais. Hoje, considero uma dádiva. Um turbilhão de sensibilidade foi se transmutando em intuição e destreza. Alí, fui vendo que metade de mim era eu e a outra metade era o que o mundo queria que eu fosse. Cortei essa última metade. Mas a outra também sangrou.

Pra começar: o Rodolfo
Comecei mudando de casa, doei absolutamente tudo o que tinha e me mudei para um lugar novo, com apenas roupa, livro, meu marido e mais um cachorro. Nessa casa, passei toda a gravidez. E ela não tinha mesmo nada, de verdade. Não tinha TV, som, móveis, água quente... Alí, renasci pra confirmar uma coisa q eu desconfiava desde cedo: não se precisa MESMO de 90% das coisas que a gente compra. E dessa fase sem coisas, pude ver melhor as pessoas. E quando vi, precisei me segurar firme na fé. Porque boa parte delas não valia um livro meu. Já as que ficaram, são hoje a minha casa.

Segunda morte: o mundo ficou de mal porque eu não ia parar de trabalhar.

Logo eu, que tinha criado uma empresa de inteligência web com cultura homeoffice e modelo horizontal, lá em 2011, justamente para fomentar um mercado de trabalho mais justo (principalmente para as mulheres). Via aquela luta Ter filho X Ter carreira e nunca entendia porque as 2 coisas não podiam seguir juntas. E elas podem (não sem meia dúzia de pseudo ativistas de mil causas de fachada te chamarem de mulher maravilha com ironia, mas podem).
Vamos repensar o real processo da mulher no mercado de trabalho quando ela é mãe? Ou vamos continuar ora escravizando-as em casa por conta do filho enquanto o homem trabalha ou, a outra escolha não menos cruel,  que é ir pro trabalho morta por dentro por estar longe da sua cria? 
Só  que o caminho era muito maior à minha frente e segui como um touro solto na arena. Metade grávida, metade morta por saber que o machismo triplica quando você está prenha. E vem flechada de todo lado, inclusive, de onde menos se espera. Ouvi de tudo. Teve: vai pra casa, uai... cê não parou ainda?, desculpe querida mas agora que você está grávida vou cancelar o contrato e muitas outras coisas que acertaram meu estômago. Mas a beleza da vida dos corajosos é sempre ter as melhores surpresas. E no mesmíssimo lugar onde vivi isso, também me chegaram flores, abraços, sopa quente, um berçário na agência pra levar minha filha (com apenas 45 dias) e um monte de amor me guiando nessa tarefa.

Sim, ganhamos quiabo de presente.
Então, morri a segunda vez quando entendi que fazer uma mãe cuidar de uma criança sozinha é um crime. A gente precisa não só do pai dela como da vó, do primo, dos amigos, da vizinha, do motorista de ônibus, do mundo inteiro. Abandonar uma mulher que tem uma criança no colo não devia ser aceito em nenhuma sociedade. Mas, por aqui, não é isso que acontece. E quantas noites chorei me perguntando: meu Deus, como a fulana conseguiu? 4 filhos, sozinha, trabalhando pros outros, que dor! E alí também entendi que precisar de alguém não é terceirizar a maternidade. Eu queria criar minha filha e não delegar isso porque ai, a vida de quem trabalha é assim mesmo, boba... Pra mim não ia ser.

Essa é a Cinthia, do Mãe At Work, com as filhas Eva e Aurora:
a moça tá mudando tudo isso com a gente!

Terceira e não última morte: filho é  só UM dos projetos.

Desde antes de pensar em ter uma filha, eu já tinha certeza de que tinha (e tenho) muita coisa pra fazer nessa breve existência. Nunca me imaginei em casa de bobs e Canechom bordando as iniciais do meu marido num roupão mas também não imaginava que ia encontrar um cara tão absolutamente grandioso e forte pra ser o pai da minha filha.

Eu era infeliz e não sabia.
De parir a criar, fazer a comida, cantar, sofrer, decidir, ficar sem dormir, dar de mamar, se recuperar: em tudo ele tava junto, quase que fazendo também. Em absolutamente nenhum momento ele fugiu, deu desculpas ou não pôde. Ele pôde e foi por 3, 4, 5 pessoas ao mesmo tempo: por mim, pela nossa filha, por ele, pelo trabalho, pelo mundo. Naquela hora onde eu só tomava na cara por não achar que minha vida ia acabar, ele foi (e é) a maior inspiração pra uma moça malvada que antes tinha até uma certa preguicinha de homem (maioria machistão, bundão, imaturo e medroso). A sabedoria e a paciência dele me bateram na cara com força (que ironia) até entender que EU estava sendo machista. E dessa lição toda nasceu um dos projetos mais bonitos da minha vida, que está só começando. E não, não estou falando da nossa filha. Estamos construindo um mundo novo pra ela, pra gente, pra você, pra quem não acredita nisso também, com a cara e a coragem, e é a mesma sensação de nascer. Você chega pelado, sem saber nada, sem entender nada. E vai, bravo e corajoso, um dia de cada vez, se formando gente, se fazendo cada dia mais forte.

Uma vida é pouca.
E tem mais gente que nem o pai da Lis pelo mundo. Ufa!

Depois de tudo, fica a porrada. Cada vez que eu renascia dessas mortes, via um mundo mais caótico, confuso, raivoso e perdido. Só que, estranhamente, em vez disso tudo me deixar triste, me deixava mais esperançosa. Sinal de que as coisas estavam mudando. Sinal de que eu não fazia parte de uma minoria sonhadora que falava em mudança. EU ERA A MUDANÇA.

É hora de enfrentar a sociedade patriarcal. É duro mas a gente aguenta.
Hoje, tenho um orgulho danado de mim. Pelas minhas 20 horas de parto normal, por ter largado tudo, ressignificado tudo, lutado como uma doida pela minha verdade, por não ter aceitado entrar na caixinha da mulher indefesa que teve filho, por ter refeito tudo de um jeito MUITO MAIS HONESTO e melhor, por ter feito uma família, um lar, uma nova Marcela, em apenas 1 ano e 1 mês. Hoje, eu me respeito, trabalho com o que amo sem aceitar suborno de ninguém, muito menos de mim mesma, sem aceitar mediocridade, cercada de pessoas que admiro (e conhecendo outras tantas, a cada dia) e com projetos que não só acredito como fico envolvida até o último pedaço do útero.


Não existem mais farsas no meu dia, não existem meias verdades nem poses, nem máscaras, nem falsidade, nem cara amarrada, nem fofoquinha, invejinha, puxadinha de tapete, conversinha pelo corredor. Não existe corredor! Hoje, sou mais do que nunca uma FORMIGA pequenina e guerreira, trabalhando no meio de um milhão de outros bravos soldados nessa terra imensa, cuidando do meu pedação de futuro com garra e orgulho, lá debaixo da terra, sem holofote, sem querer Iphone 6, focada na missão de construir um mercado novo, justo, onde a gente não aceite mais tapa na cara, disputa, desrespeito e baixaria, lutando para que o consumo seja repensado, para que a educação das nossas crianças seja reformulada, para que as mulheres sejam respeitadas, para que aquele mundo egoísta das pessoas pequenas e donas de tudo seja implodido, porque como ele estava, não dava mais.


Hoje, sei que não sou a única. E se você me leu até aqui, também não é. Me escreve, me liga, me grita... vamos ser muito mais. Quem bom que tem a gente!

Com amor,
MB ;)






6 comentários:

  1. Orgulhoso do texto... estou compartilhando.
    É " precinecessario " que mais e mais pessoas leiam e reflitam...
    PARAÓTIMOS!
    Obrigado.
    VERDADE COM AMOR !
    VERDADE COM AMOR !

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Marcela! que bom de ler!
    "só estamos espalhados"....

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