quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Ahhh é uma princesa!


Não. Não é uma princesa. É uma pessoa. Pelo amor de Deus, não vamos parir princesas. O mundo já está cheio demais de lendas e contos e promessas de finais felizes. A gente não precisa de um beijo no final. Todo ser humano precisa de beijos e abraços e de força o tempo inteiro. Ah, e pessoas podem cair, se machucar, ficar sujas, falar palavrão, ter medo, trocar o cavalo branco por uma bicicleta e sair pedalando por aí, descobrindo seu próprio destino. Sonhar é muito diferente de se iludir pra fugir da realidade.

Como se chama sua princesinha? Desculpe, nós não temos uma.
Por favor, não vamos coroar as meninas sem a permissão e o merecimento delas. Não vamos fazer delas seres frágeis, perfeitos, sensíveis, românticos e com milhões de adjetivos no diminutivo.  Não vamos deixar elas esperando nada. Nos contos, o príncipe sempre vai atrás do sonho. A princesa faz tudo certinho, senta e espera. Esse mundo não vai dar certo. 

Até hoje, a luta para ser respeitada no dia a dia, no mercado, na vida, dentro das nossas próprias famílias e em todos os ambientes sociais é enorme, exaustiva, silenciosa e muitas vezes, pesada. Ainda dói muito menos cair e ralar os joelhos do que não ser ouvida em uma reunião com a mesma seriedade que a fala de um homem. Ainda dói as piadas e brincadeirinhas sobre sua aparência, as cantadas disfarçadas de bom humor, os olhares de negação das outras mulheres (princesas) e a raiva que a gente causa no mundo por falar o que pensa... Só pra citar o mais leve.


Vamos proteger nossas meninas dos tombos... Não! Vamos dizer que elas um dia vão encontrar um amor. Por favor, não! Vamos ser maiores, menos egoístas, menos mães e mais amigas. O discurso de "quando você for mãe vai entender" cai por terra. Já sou mãe e não entendo. Não vou ter uma princesa. Eu vou acompanhar o nascimento, o crescimento e a transformação de uma menina em mulher, em pessoa, em alma livre. Não se escolhe o futuro de um ser humano com base na sua própria vivência errante. Tenta-se crescer junto, apoiando as escolhas, tentando orientar mas ainda sim, evoluindo para deixar escolher. Lutando para não projetar.

Nasci para vencer! Oi?
Tem tanta coisa maior para se mostrar para uma menina. E para um menino também. E pra gente mesma. É ser grande o suficiente para ser pequeno. É entender que quem escraviza é porque nasceu escravo. Só quem não tem liberdade permite prender. E formatar é prender. Deixar ser livre dói tão mais... mas é a forma mais genuína de amar. Sim, amar tem muitas formas. Não é um julgamento às mães que tratam as filhas como princesas, é um pedido, um apelo, um convide a se pensar e debater. Porque de princesas o mundo foi ficando cheio de machismo, agressão, depressão e violência. Vamos tentar crescer juntas com as nossas meninas únicas, fortes, não padronizadas, criativas, cheias de amor, personalidade, escolhas... bem como nossos meninos.

Vamos tentar deixar elas escolherem. Até se elas quiserem ser princesas, se essa for a escolha, vamos tentar aceitar e estar junto delas quando descobrirem que o cavalo não é branco, que não são obrigadas a casar, nem a ter filhos, nem a não casar e a não ter filhos, fingindo uma vida inteira que é bem resolvida assim... E, acima de tudo, vamos salvar as meninas de um destino cheio de encantos e ilusões. Que a vida é feita de porrada e tombo, não é de brilho não...


 
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