sexta-feira, 5 de maio de 2023

Infinita

Perdi a conta de quantas vezes engradeci ao te ver crescendo. Expandi em amor pra ter a honra de te acompanhar pro novo. E aí hoje você acorda cantando, enchendo a casa de alegria e vem com essa: "mãe, eu quero agradecer à gratidão!"


Você me exubera, me exponencializa, me farfalha. Todas as brincadeiras de ser guardiã da floresta e fada dos animais nos trouxeram até aqui, pra viver nessa floresta de verdade e ganhamos a capacidade de nos comunicar com todos os seres dessa galáxia, a começar pelos bichos 🐶




Você também inaugurou a cura pelo portal da cabeça e disse ser de direito e por respeito que eu me curasse também. A gente tava gripada e foi ficando boa. Melhor. Maior até. E se curou tantas outras vezes quando lições antigas voltavam pra ver se foram aprendidas. Sua alma linda também me abriu caminhos pra que pudesse me amar cada vez mais. Tantas sopas, unguentos, magias, mantras, banhos e besouros nesses 8 anos! Mas especialmente nesse último, quando enfim fomos condecoradas bruxas de verdade.


Bruxas livres do bem que fazem o carro andar com feitiço de fé. Carro não, o Ernesto. Esse velhinho maluco que veio nos ensinar a desapegar das coisas que param de funcionar na nossa vida. Tudo tem seu ciclo. Cê me avisou antes: mãe, o Ernesto tá querendo ir. E eu, toda apegada em andar pra todo lado, ainda briguei com você. "Não fala isso! Só porque é um carro velho! É nosso primeiro carro e nos leva até a escola." Uma semana depois, pedi desculpas.

Você tava certa e bem hoje, no seu dia, também tem eclipse Lunar em escorpião. Depois te de deixar na escola, saí colhendo flores pra enfeitar seu aniversário. Mal sabia que já eram presente de gratidão pro Ernesto. Ele se foi agora há pouco, na estrada de baixo, logo depois da ponte. Ficou por lá firme e sorridente, sem nenhum dente mas inteiro como todo bom guerreiro. Subi o caminho de terra e cheguei na casa da Tireni. Só aqui percebi que esse foi seu último suspiro. E as flores ficaram no banco de trás pra honrar o aprendizado. E que pontes, depois que passamos, é bom queimar. Pra não ter a tentação de voltar pro conhecido mas que não nos engrandece mais. Sendo assim, tudo foi você quem me ensinou. Viu primeiro e foi me contando aos poucos. Você é minha professora também.



Aprendendo a me amar tudo chegamos até o arco íris. E nele tinha uma chave, um chamado, um campo livre e aberto pra experimentarmos o mundo. Mas antes, aquela parada na curva do rio caudaloso da vida pra aumentar a família. Essa nossa família deliciosamente única atraiu mais amor.

E veio um mago, artista, peregrino de si, tão corajoso que chora copiosamente quando ouve nossas histórias passadas. Que sente e desenha a gente, cria cores novas pra nos inspirar a sermos mais. E se transforma em mais todo dia, com alegria, um cara que honra a si e o nosso viver. Veio o Dedé, meu amor de tantas vidas... e a gente ficou florida, aprendendo a confiar de novo. Abrimos aos poucos nossas festas da pipoca, dançamos esquisito na cozinha com ele junto, meditamos bem cedo e uivamos juntos pro pôr do Sol... A gente foi vendo que nada disso era esquisito pra uma alma livre porque ele era como a gente também.


E você abraçou e respeitou minha história, foi tão generosa quando chegou esse grande amor da mamãe e ajudou a lidar com as dúvidas. Me contou segredos e disse que tava tudo bem se eu quisesse casar. E eu quis. E foi você quem fez a cerimônia, o ritual de amor ascendente numa noite linda na nossa casa recém larificada. Você é parte das partes que voltaram pra mim quando me casei com a felicidade. Eram seus os arranjos de flores e os de coragem também pra estarmos ali. E a lua filmou aquela hora que brindamos e dançamos juntos na festa da vida.

Hoje nossa família tá ainda mais bonita e tem magia sua nisso tudo. Somos 5 seres falantes, criantes, sensíveis, vulneráveis e corajosos que querem experimentar a vida como se ela fosse um grande pote de Nutella. E é tão bom que seja assim. Você tá me mostrando como é ser infinita nesse lugar tão sensível que é a família. E eu tô conseguindo reaprender a confiar! Obrigada por isso também, meu dendê.  


Amizades novas, família nova que nos abraçou de imediato, escola nova, floresta nova... Você me renova, refresca, ilumina... Oito anos que vou sendo infinita e o agora nunca esteve tão abundante e recheado. Nossos olhos se encontram, transbordam e já nem precisamos mais falar. Te sinto onde você estiver e você me liga sem precisar de celular. Tudo o que tinha de ir começou a acabar mas o melhor de tudo tá acabando de começar. 

Uma árvore de Nutella tá brotando no nosso jardim enquanto escrevo isso. É o Dedé que tá fazendo e colocando toda a sua magia. Amanhã vamos comemorar o dia todo com todos os amigos da escola e até a sua professora vem! Um eclipse e um portal estão se abrindo nesse exato momento e minha alma tá dançando com um vento fresquinho que acabou de chegar. Com você a vida é dançar, dançar, dançar...




Tá tudo tão bonito, meu coração está tranquilo, amanhã vamos comemorar com todo mundo da sua sala do segundo ano! Tem tanta tinta pra pintar nossa vida, cafés da manhã infinitos com sorriso, piadas, contagem de sonhos e dancinhas com bunda de pato. História que se regenera, amor que reverbera, adentramos à nova era e o sentido se faz sentindo. Obrigada por me conduzir ao universo infinito das emoções humanas, verdadeiros mapas para a ascenção.

Feliz infinito e lembra que eu amo te amar e me emociono por estar nessa e em tantas com você. Colha suas Nutella, os sorrisos que plantou, os amigos e amigas que fez e vai fazer pra sempre, colha a dádiva e a abundância de ser a Lis!



Um grinde aos nossos oito com liberdade, admiração e a cara toda suja de Nutella,

Mâmisson.

quinta-feira, 5 de maio de 2022

Os sete da Lis 7L

 Há 7 anos exatos, eu te olhava com aquele olhão arregalado que a gente tem pra vida. E você olhava de volta pra mim. Fazíamos nem ideia do que viria pela frente mas a gente nem se preocupava mais. Porque estávamos juntas, enfim...


É a primeira vez que escrevo sentindo a emoção de saber que agora você pode me ler sozinha. E vai comentar o que achou lembrando, toda brava: mas maaaaanhiii, ainda não sei ler em letra de computador! Então vou ler pra você em voz alta, chorando muito, que nem sempre rola, pra você dizer tá tudo bem mãe, não chora mais, tô aqui. E sigo te explicando que chorar é um mecanismo de regulagem das emoções e só seres muito evoluídos usam. E o choro associado à tristeza é uma construção boba da sociedade que, como você, também está amadurecendo e crescendo rápido. 

Passamos pela pandemia, filha. Te prometi que ia ficar tudo bem e que um dia a gente ia fazer uma festa cheia de gente de novo no seu aniversário. Vai ser sábado agora... Tanta gente que amamos vem aí! Das antigas, que estão com a gente desde os primórdios e também gente nova que veio chegando. E a nossa família cresceu! Agora tem uma gata também! Tudo nosso expande assim, guiado pelo amor...

Tô explodindo de orgulho de você. O amor continua sendo sua magia mais especial. E você sabe exatamente como usar. Agora, você mesma me lembra que tem que ser primeiro com a gente. E segue amando tudo e também os bichos, mas agora desenvolveu muitas técnicas de cura... e músicas especiais e magias da floresta... A formiga lá do quintal que tem nome e você fez um forte pros cachorros não pisarem nela. E assim, lá atrás virou floresta e você, a fada protetora da natureza. E quanta proteção veio, filha... A gente passou por tudo e foi ficando tão mais unida! Foram dias difíceis quando você ficava entediada de não poder sair e nem ir pra escola. Foram dias estranhos quando o seu aniversário de 5 anos só teve eu, você, Cléo e Dodô. Logo a gente, que ama gente... Mas olha quanta coisa aconteceu...


Logo depois veio a vacina e com ela, a escola nova e todos os amigos. Tudo acontecendo tão rápido. O dia que você me deu um susto enorme dizendo: mãe, enfim me apaixonei. E me contou como foi e a reação do menino. E depois que minha cara voltou mexer, a gente riu e contei orgulhosa pra todo mundo o quanto você estava indo bem na nova fase da vida. E aquela tarde que a gente ficou fazendo um desfile de moda com todas as roupas que não te serviam mais. Você era modelo, estilista, cantora, tudo ao mesmo tempo! Eu era sua produtora e costureira. E os cachorros vinham desfilar junto mas só sabiam mesmo atrapalhar. E tudo terminou com um show porque você era a Lia, irmã da Sia e cantou em português e inglês pra todo mundo na platéia de passarinhos entender.

Todos os vestidos que a gente inventou. E os shows a noite aprendendo a dançar que nem nos clipes das cantoras que a gente gosta. E os filmes todos que você ficava com medo mas depois entendia que sentir é difícil mas necessário para sermos humanos melhores. Todas as pipocas que a gente fez que alimentaria todos os pombos do mundo! E o dia que você corrigiu a moça do Uber que insistiu que pombo era rato de asa e você brigou: não, pombo é pombo! Rato de asa é morcego, moça!

Todas as vezes que a gente abraçou forte e você pediu colo. Lembra que às vezes me doía as costas e eu prometi que ia dar um jeito? Eu dei! E agora tô treinando pesado pra te pegar no colo por mais 70 anos. E acho mesmo que vou durar mais umas décadas aí pra te ver fazer 70. O dia que a gente ficou imitando duas velhinhas, a velha filha e a velha mãe, pra ver como a gente ia ser daqui muitos anos. Você me perguntou se demorava muito pra eu morrer. Respondi que sim. E realmente vou fazer de tudo pra ficar porque quer te ver ser tudo o que você é. Fazendo suas descobertas, rindo de boca aberta com um monte de pão lá dentro, fechando a mão como se fosse a patinha do gato e fazendo carinho em mim.

Os conselhos todos que você me deu eu anotei. Na alma. E todos me melhoraram. Todas as conversas que tivemos olhando no olho nos fizeram melhores. Não te disse que temos que olhar nos olhos das pessoas e falar o que o coração tá dizendo? Você aprendeu isso tão bem... E agora já sabe quando é a cabeça que tá com medo e você mesmo acolhe ela.. E diz: calma Lis, não precisa ter medo, o lobo mau também é seu amigo. E todo mundo é bom e mau ao mesmo tempo...

Foi me permitido nessa vida ser muitas coisas. Demorei muito pra descobrir que eu mesma também podia me permitir. E aí saí sendo mais um tanto de coisas que nunca tinha sido. Experimentei muito, brinquei de ser escritora, patinadora, pintora... Mas sabe, filha... ser sua mãe é a coisa que eu mais amo.


Fala sério! Ser sua mãe é bom, é divertido, desafiador. Você aprende tão rápido e faz perguntas tão boas. Antes de você, eu morria de tédio do mundo. Achava tudo tão igual o tempo todo. E as pessoas falavam as mesmas coisas e ficavam malucas para terem coisas que eu não via graça nenhuma. E você me entende... É tão bom isso. Você chegou e meu tédio sumiu porque temos conversas enormes (ou curtas) mas todas de verdade. Todas mudam a gente pra melhor. E a gente briga feio, dura meia hora. As duas choram e encontram no meio do caminho, entre meu quarto e o seu, pra olhar no olho e pedir desculpas. E selar a trégua: vamos ver filme grudada que nem chiclete? E fomos aprendendo a comunicar o que incomoda na outra. Mãe, para de falar comigo agora estou nervosa. Filha, hoje tô de tpm não quero falar nada o dia todo... E aí você inventou o jogo da mímica, para dias assim. E eu aprendi a respeitar seu mau humor de fome e de sono. E amo tanto quando você me acorda pedindo pro Google ligar bem alto a música que tem o galo a gente bate nele pra ele parar de gritar na nossa cabeça tão cedo...

Quero que você seja a fada da floresta mais feliz do mundo nesse aniversário. Todo ano vou escrever e peço perdão por não ter escrito nos últimos 4. Foram os mais difíceis da minha vida. Mas agora tô inteira de novo. Íntegra e integrada, pronta pra ser a mãe da pessoa mais incrível da galáxia. Que assiste documentário sobre os papagaios cinzas que estão quase em extinção e pede pra saber como o universo, afinal, começou. Que me faz café da manhã com pão e catchup que eu odeio mas nunca falei nada pra você não parar de fazer...

Cê sabe que vou estar sempre, sempre, sempre aqui, né? Então só vai, minha filha. Vai ser tudo, experimentar de tudo, conhecer o mundo e brilhar sua luz sem medo de nada. Já estamos na era do Amor e a gente venceu. Lembra que te falei que o amor sempre vence? O nosso tá cada dia mais forte e lindo e seu colo tá aqui cativo. Não significa que vai ser sempre tudo maravilhosamente fácil. Mas no difícil a gente cresce também. E a gente já aprendeu, juntas, que quando a gente quer que o dia seja incrível, a gente começa respirando e inventando um dia incrível. E se algo dá errado e tudo começa a ficar ruim, a gente para e começa o dia de novo. Não importa que hora seja. A gente levanta de novo, toma café junta e o que tava ruim, passa. Essa é a nossa MAIOR MAGIA. 



Pode levar isso pra vida, tá? A gente que inventa como vai ser tudo! E tudo o que a gente sente, acontece. Portanto, só deixa seu coração sentir, honesto e livre... Nada que a gente sente tá errado. O amor vai te guiar sempre porque você é feita disso.

São 7 anos de você na terra. E a gente vai seguir fazendo daqui o melhor lugar do mundo. Porque de fato, é. E viver é uma festa enorme, mesmo que ninguém entenda isso direito ainda. Mas a gente entende e isso basta.

Pode ficar com a minha Moranguinho de infância porque você já está pronta pra cuidar dela. Pode preparar pra viajar o mundo comigo porque, de fato, vamos. Pode escolher o que te fizer mais feliz porque nunca vou me opor às suas escolhas, desde que não te machuquem nem machuquem ninguém. Pode seguir tendo certeza de que você tem a melhor mãe do mundo porque, de fato, fiz de tudo pra merecer, entre bilhões de mulheres na terra, ter a honra de assumir essa vaga. E acho que até tô indo, bem... não acha?

Com amor, coragem, orgulho e glitter verde pra todo lado,

Senhora Wuawua

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Os 3 aninhos da Marcela


 A gente é um Universo, filha. E desde que você chegou, o meu se expande infinitamente, todos os dias. Em 3 anos, nasci milhares de vezes e quero te agradecer por isso. Cada vez que seu olho varre o mundo, descobrindo coisas novas, meu olho se abre pra vida. Cada vez que você chega, sou uma pessoa melhor. Nascemos mulheres num mundo de homens. Nascemos mulheres se conectando com outras mulheres, estrelas. Nascemos pequenas num mundo grandão, cheio de micro verdades e nenhuma é a nossa. Ainda bem. A nossa verdade a gente descobre ou cria, todos dias, sendo assim, um Universo...

Você é uma estrela com um Universo. Nunca esquece disso. Tudo o que você quiser, filha, você vai conseguir. Sua alma é doce, sua personalidade é forte e seu amor é nítido, claro, flexível. 

Você é a minha melhor amiga, desde antes de estar na barriga, até agora pouco quando te levei pra escola. A gente pula na garagem do Batman e salta cada vez mais alto. Você me fez saltar. Um salto quântico de verdade. Cê me dá a mão pra descer a rua e a gente sobe alto pelo céu, acertando outros caminhos. E a gente ri e chora de tudo o que a vida traz porque é tudo sempre novo e, logo depois, antigo.

A gente tem o mundo pra descobrir e você veio corajosa, me fazendo ainda mais livre, mais forte, mais eu. A gente viveu tudo esses 3 anos com o coração solto. A gente vive tudo. Inteiro. Não temos meias verdades. E isso é um presente. Te sinto infinita, cada dia mais livre e bonita, no seu mundo repleto. 

E quando você canta: tututubarão, mora dentro do mar, toma cuidado mãe: ele pode atacar! meu coração vibra. Porque agora, a mãe toma mais cuidado... Com a vida, com as outras pessoas e comigo. Você é uma menina que cuida. Cuida do Dodô e acalma a Cleonice quando tem os foguinhos. Cuida dos bebês, do livrinho e da maçã. Faz caminho pra formiguinha passar e abre mil estradas pro meu coração poder ser. E você é, Lis. Você é.

Você é enorme, filha. Não esquece disso. Você trouxe uma família junto com seu primeiro respiro. Tem tantas mães junto comigo, me ajudando a ser mãe. E sou tão grata por isso. Tem tantas avós, vovôs, amigos, tios e tias. Tem os priminhos, os amigos das duas escolas, os vizinhos que te dão bom dia, todos os dias... Os cachorros da rua são todos seus. Os passarinhos que vem devagarzinho pousar por perto quando você está. O ninho que ficou no quintal e foi presente deles pra você. Você trouxe no peito a beleza das coisas mais simples. E isso engrandece tudo...

Todas as histórias que a gente lê ou inventa, cada música que a gente aprende a cantar juntas, quando a gente dança na sala ou na cozinha, o Universo se expande. E quanto mais ele estica, mais você cresce. E quanto mais você cresce, maior eu fico. 

Obrigada, filha, pelos meus 3 anos. Estou em festa. Estou ainda sem acreditar que aprendi a falar, andar, cair, levantar, chorar e pedir o que quero, com você. Aprendi a mostrar o que sinto bem na hora que sinto. Aprendi a ter família, amigos, propósito e fiz uma caixa enorme com minhas melhores coisas pra distribuir pro mundo. E fui deixando naquele cesto verde furadinho as outras coisas que não gosto tanto. Aprendi a ler as pessoas com amorosidade, a perdoar a mim mesma quando escolhi um caminho ou outro que ralou meu joelho, aprendi a olhar pro espelho e ver quem eu sempre fui. Nesses meus 3 aninhos, relembrei ser menina. E me deixei não saber nada pra reaprender tudo. 

Um monte de estrelas de gratidão pipocam no meu peito e tudo o que vier eu aceito porque agora sou. 

Quero deixar uma cosquinha, bem de levinho, no seu coração. Um beijo com barulho no cantinho do seu olho esquerdo, quero deixar minha alma em campo aberto pra você brincar. E todos os presentes que ainda vão chegar a gente vai abrir juntas. A gente vai abrir o abraço de saudade, aquela caixa grande de livros ainda não escritos, a gente vai desembrulhar o medo das coisas novas que dura só um pouquinho, a gente vai rasgar o papel de presente da vida pra ver o que tem dentro e se encantar com o barulho que faz. A gente vai tirar do forno rotinas novas toda hora e a casa vai se encher do cheiro bom que tem a vida acontecendo quentinha. E você vai assoprar pra não queimar a nossa língua. A gente vai brincar de ser tudo sem medo de sujar. 

E por tudo isso já te agradeço, filha. Todas as respostas que eu queria pararam de perguntar. Antes dos meus 3 aninhos, a mamãe era uma adulta preocupada. Vivia varrendo a escada ou esperando a encomenda chegar. Agora não tem espera, não tem compromisso tão sério, não tem a urgência de fazer acontecer porque tudo já é. Já tenho 3 anos e sei que a vida acontece sem força, sem pressa, sem medo da conta pra pagar. Quando nosso coração é de criança, a noite sempre chega, carregada de estrelas e a gente só tem que vê-las sem querer entender. E o sol nasce bonito, carregado de infinito, querendo nos esquentar. 

Agora, olha pra mim: eu te amo e a gente sempre, sempre, sempre vai estar. Porque a gente é.

Com amor, da sua mamãe que canta, ri, chora, erra, brinca, fica, segue e faz tudo pra você apenas ser exatamente o que você é.

Maio/2018


estrela com um Universoestrela


quinta-feira, 5 de maio de 2016

Relato de um parto normal: a verdade sobre o Sofia Feldman

Esperei um ano pra escrever esse post. Daqui a exatas 3 horas e 14 minutos (escrevo as 14h), nascia a Lis, depois de um loooongo TP. Longo mesmo: foram quase 24 horas de trabalho de parto.

A história começa como tantas e tantas outras: o pré-natal, a troca de médicos, a procura pelo profissional certo, que nos tranquiliza no meio do turbilhão de sensações de quem espera pra parir um ser humano. O amadurecimento tímido de uma mulher, comparado ao crescimento estrondoso que acontece depois do parto, e as mudanças de sentimento, opinião, sensação...

Tudo isso me fez chegar, aos 8 meses de gravidez, na Casa de Parto do Sofia Feldman, numa manhã de dia de semana qualquer... E foi lá que, pela primeira vez, botei os olhos numa menina. Menina mesmo! Cara de menina, olheiras de cansaço, jaleco azul, tênis branco e um sorrisão no rosto. Ela me mostrava o hospital, a Casa de Parto, acordada desde as 7 da manhã, um pique enorme de quem ama o que faz. Eu estava enebriada com aquele cheiro de novo, de sangue, cheiro de medo.

Difícil acreditar que um hospital do SUS fosse me proporcionar acupuntura, massagem nos pés, ventosaterapia, auriculoterapia...
Sim, naquela época, parto era sinônimo óbvio de medo. A gente é construída pra isso. Medo do parto, de morrer no parto, de sofrer no parto, de dar errado o parto. E foi com aquela menina loira que eu comecei a ressignificar meu medo e minha relação com meu parto, comigo e com a vida que ia nascer alí.

Pra encurtar a história: o restinho do meu pré natal foi por lá. E conheci todas as enfermeiras e tomei um loooongo respiro pra decidir: vou fazer o parto domiciliar. Em casa, na minha cozinha. Eu, meu marido, minha filha e elas. Quanto custa tudo isso? No Sofia, não custava nada.

E desse não custava nada, era em casa e com enfermeiras obstetras e não com um médico, veio a enxurrada de esporros e pessoas me chamando de louca. E as milhares de histórias de bebês que morriam no Sofia Feldman porque lá as mulheres são obrigadas a terem parto normal e é uma loucura e meu Deus, você não é uma índia.

Um exagero de histórias de terror, um monte de gente sem saber direito porque perpetuar tanta notícia ruim e sem fonte alguma, mas fiéis destruidoras da confiança de uma mãe num sistema humanizado. E essa onda de mulheres terroristas me seguiu por dias, semanas.

A sorte é que a mãe da Lis é decidida, é de escorpião, é teimosa e meio exotérica. Não mudei de ideia hora nenhuma, nem depois de receber por inbox um monte de matérias sobre bebês morrendo em partos normais. E o terror de receber notícias de bebês morrendo há poucos dias do seu próprio parto se transformou no ato de coragem que me permite esse relato.

Um monte de meninas <3
Na noite de domingo começavam as dores. E não vou aqui me concentrar nelas. Porque sim: a gente esquece tudo. Sei que eram dores fortes e tudo estava só começando.

Passei a madrugada de domingo com essas dores. Já havia acionado minha doula. E também não quero aqui entrar nesse ponto. Algumas coisas a gente não esquece mas essa, prefiro esquecer. Resumindo essa parte, a doula que contratei não veio e enviou sua substituta.

Mas isso, mais uma vez, se transformou em amor. Porque no final da tarde de segunda-feira a Júnia chegava aqui em casa. Mais uma menina. Olhos de menina, sorriso de menina, voz doce e calma de uma menina anjo. E depois dela, chegou a menina loira. E sua parceira de todo o parto, a menina do cabelo preto.

Eu estava cercada de meninas para ter minha menina. Eu estava com medo. Pra caramba. E a gente passou a noite toda aqui em casa, tentando trazer a Lis.

Acontece que ela não veio. E pra encurtar muito mesmo a história, as seis da manhã de terça, meu olho fundo e desesperado olhou pros olhos delas (das meninas) e implorou: quero ir pro hospital. Não aguento mais.

Me lembro da voz doce de uma delas dizendo: tem certeza que quer desistir do parto domiciliar agora? Você já foi tão longe... Mas uma mãe, quando vira mãe, tem uma voz interna tão forte e alta e clara que eu só respondi: não estou desistindo, estou começando agora meu parto.

Eu sentia que ela vinha e voltava. Ela chegava e voltava. E era uma sensação muito doida. Toda a força do mundo que eu fiz naquela madrugada, certamente me faria levantar facilmente um carro com uma mão só. Mas não bastou pra trazer a Lis pra fora.

E então, elas recolheram o equipamento, elas fizeram minha mala de hospital (que eu não fiz porque achei que ia parir em casa), elas me abraçaram e me levaram pro carro. Essas 3 meninas doces me deram um suporte que não tive nunca antes na vida. E escrevo isso agora chorando. Porque isso é muito, muito grande.

Eram 3 profissionais, eu nunca as tinha visto mais de um par de vezes na vida e alí elas eram minhas irmãs, mães, filhas. Elas eram parte de mim, me dando a mão, me ouvindo xingar, acalmando meu medo constante.

E a do cabelo preto, nunca esqueço: ela me olhava bem fundo na alma e dizia "Você está indo muito bem. A Lis está orgulhosa. Vc está sendo muito forte e corajosa, Marcela". E nunca ninguém havia me dito essas palavras, em 33 anos. Pela primeira vez na vida, eu acreditava nelas.

Chegando no Sofia Feldman, após experimentar a dor que não desejo a ninguém (que é andar de carro com um bebê no canal vaginal, quase coroando), fui adentrando a um outro mundo que também não conhecia. Ser mulher e ser respeitada. Um monte de gente veio me receber e em nenhum momento deixaram de me olhar no olho e perguntar PRA MIM o que eu queria. Está bem, Marcela? Quer sentar, Marcela? Quer tomar um banho? Você aguenta ir até alí? E durante toda a madrugada na minha casa até chegar por lá, minhas meninas me apoiavam, ouviam meu coração e o da Lis. E a menina loira sorria: está tudo bem, querida. Fica calma. A Lis está vindo! E calma eu ficava. Como nunca fiquei com ninguém.

Resumindo mais (porque essa história eu poderia te contar durante 3 dias a fio, sem parar), veio meu pedido para tomar uma analgesia. Já tinha passado mais de 15 horas de parto. Estávamos todos exaustos, eu estava sem comer. E todas elas também. Porque a louca não teve tempo de fazer um café descente. Lembro apenas de ter queijo, chá e café na cozinha, no desespero e na inexperiência de pais de primeira viagem. E elas seguiram firmes, sem sair de perto de mim nenhum minuto, nem pra comer um pão de queijo na cantina do Sofia quando chegamos.

E veio a injeção e eu vi Deus. Literalmente. Minha força voltou, eu conseguia falar, conversar, pensar até. Parei inclusive de xingar e voltei com minhas piadas terríveis. Era um momento bom. E durou 4 horas. Mas ela não veio. Mais uma vez, eu fazia toda a força do mundo e quando parava, ela voltava pra dentro de mim. Não dá pra explicar direito isso. Mas era isso o que eu sentia.

Então veio um médico. E eu tive tanto medo que chorei. E pedi por favor que ele não enfiasse nada em mim. Ele explicava que precisava terminar de tirar um pedaço de bolsa que havia quase estourado ou algo assim, mas eu disse: NÃO. E ele me respeitou. Porque as meninas estavam perto e diziam: a gente só vai fazer o que você deixar, Marcela.

Elas honraram com essa frase por toda a madrugada, todo o dia. E então eu pedi outra analgesia assim que a dor absurda voltou. Elas me alertaram: só pode mais meia dose e acabou. Eu achava que não conseguiria sentir mais aquilo tudo. Mas eu consegui mais longas 4 horas de trabalho de parto.

Tomei banho, andei pelo hospital, sentei na bola, conheci toda a ala de analgesia, vi todos os médicos, chorei baldes. Eu estava bem perto de ficar louca. Eu já nasci meio louca mas naquela hora eu achei que não ia conseguir voltar ao normal nunca mais.

E acho que nunca mais voltei mesmo não...
E as minhas meninas perto. Massagem, abraço, mão na mão, tirando o cabelo do rosto, limpando meu suor. E meu marido o tempo inteiro junto. Sem comer, sem dormir, éramos um bando de guerreiros do parto, unidos numa cruzada que já durava mais de 20 horas.

Nunca reconheci em nenhum ser vivo a força que vi em mim. Eu estava longe de saber o que ia acontecer mas já conseguia ter orgulho de mim. Coisa que nunca tive antes na vida. Mas alí, eu me sentia tão forte e divina e grandiosa que nada podia me parar.

Acontece que a segunda e ultima analgesia estava passando. Já eram quase 17 horas e eu não saí do lugar.

Esse momento aqui é aquele que a gente pensa: a vida é mesmo coisa muito frágil. É outro momento que escrevo chorando muito porque nunca vou me esquecer...

Elas ligaram uma música e me cercaram, como uma tribo. Uma tribo de mulheres e meu marido. Elas chegaram bem perto de mim. Elas cantavam, faziam carinho, mediam o batimento meu e da neném, elas me diziam: Marcela, está tão perto... A Lis está chegando. Que linda ela é. Tem muito cabelo. Já dá pra ver. Eu não tinha forças pra abrir os olhos mais. E acho que desmaiei algumas vezes. Por alguns segundos.

Faltavam 15 minutos para a analgesia passar por completo e eu já sentia tanta dor que não podia mais falar. Foi então que decidi sair da banheira (esqueci de comentar que a água era o único lugar que me sentia segura. Então, fiquei na banheira, no chuveiro, na banheira... o tempo inteiro. Mas a água também desacelerava meu TP. E eu não via. Só olhava os olhos cansados delas e tinha pena. Queria adiantar o processo pra que elas fossem comer, dormir, viver... Mas elas falavam: calma. Temos o dia inteiro, a noite inteira de novo. Estamos aqui por você e com você. Não tenha pressa. Tudo vai dar certo).

Aquelas meninas estavam sem comer e sem dormir. E transbordavam amor e paciência. Além de profissionalismo, claro. Muito profissionalismo. Muito respeito pela condição feminina. Pela fragilidade de uma mulher naquele momento.

E então eu saí da banheira, fui pra cama. E só consegui ouvir vozes muito embargadas dizendo: a Lis está chegando, Marcela! Força. E eu fazia força. E num momento muito tenso, me lembro claramente de ter o abraço da menina do cabelo preto. Eu tava quase desistindo de tudo. Eu não sabia mais o que fazer para trazer a Lis. Ela chegou perto do meu ouvido e disse assim: Marcela, você é uma guerreira. Parabéns por tudo isso o que você está fazendo. Não para agora, tá? Está indo muito bem. A Lis está vindo te conhecer...

Até hoje eu não acredito nessa foto...
E quando dei por mim, estavam todas elas com os olhos cheios dágua, sorrindo um facho de luz junto comigo e com o Chris. Aquelas 3 mulheres meninas pariram junto comigo. A gente estava tão emocionado que o quarto tinha uma cor diferente. A minha vida tinha ficado pra sempre diferente. Eu tinha acabado de nascer!

E isso, ninguém conta! Por isso eu demorei 1 ano, exatamente 1 ano, pra compartilhar.

Eu não lembro o nome delas agora. Eu só lembro dos olhos e do coração delas. E não quero terminar esse relato agradecendo. Porque agradecer a essas mulheres e a todo o corpo médico do Hospital Sofia Feldman não me é suficiente.

Eu quero é que esse post gire o mundo e chegue nelas. Quero que os olhos delas leiam cada linha desse texto e cheguem até o coração dessas 3 mulheres, para que elas saibam que, além de profissionais que trazem vida ao mundo, elas trazem dignidade para outras mulheres, como eu. E amor, amor, amor. Respeito, paciência. Elas trouxeram a Lis e a Marcela ao mundo. Elas trouxeram esperança.


E depois delas, nunca mais fui capaz de pensar de outra forma que não assim: a generosidade e o amor vão salvar o mundo. E eu e Lis vamos espalhar generosidade e amor por onde formos. Em nome daquelas meninas que não desgrudaram da gente nenhum minuto. E que me fizeram, em 33 anos, sentir amor no estado mais puro que pode existir.

Ah, lembrei: as enfermeiras se chamam Tatiany [a menina do cabelo loiro] e Kelly [a menina do cabelo preto] e Júnia, a doula e eu queria que esse post chegasse até elas pra eu compartilhar agora, 1 ano depois, um pouco do que estou sentindo até hoje.  Porque gratidão é a melhor memória que um ser humano pode ter e porque elas precisam saber o quanto as amo, do fundo do meu novo ser.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

As várias mortes de uma mãe

Vocês me dão licença. Vou até sentar aqui porque esse post vai doer. Ele vai falar de uma morte que a gravidez me trouxe. Uma não: várias.

Aqui nesse mesmo blog, há algumas semanas, escrevi sobre meu incômodo com a licença maternidade. Sem explicar demais e em apenas uma frase. Mas isso bastou para trazer outros incômodos. Procurando ampliar a discussão de forma bacana com as pessoas que me questionavam, encontrei esse vídeo aqui, que falou por mim:


E dele, veio o Eduardo Augusto B. Santos, escritor, e me mostrou esse texto. E esse texto, cara... Booooooom!

Olhei pro lado e vi minha história de fora. Achei que precisava falar. Apesar de relutar sempre e tanto contra isso, quero contar 3 das inúmeras mortes que passei para minha filha nascer. E vou fazer isso de um jeito tão honesto que, claro, muita gente vai se incomodar. O legal de ser um zumbi é que a gente não se importa mais com essas coisas... ;)

Primeira morte: a gravidez é um óculos que te faz ver a real intenção das pessoas

Não sei se acontece com todo mundo, se é um mecanismo maluco de defesa da mãe mas aconteceu comigo. No começo doía, eu queria parar de ver,  de perceber, de absorver demais. Hoje, considero uma dádiva. Um turbilhão de sensibilidade foi se transmutando em intuição e destreza. Alí, fui vendo que metade de mim era eu e a outra metade era o que o mundo queria que eu fosse. Cortei essa última metade. Mas a outra também sangrou.

Pra começar: o Rodolfo
Comecei mudando de casa, doei absolutamente tudo o que tinha e me mudei para um lugar novo, com apenas roupa, livro, meu marido e mais um cachorro. Nessa casa, passei toda a gravidez. E ela não tinha mesmo nada, de verdade. Não tinha TV, som, móveis, água quente... Alí, renasci pra confirmar uma coisa q eu desconfiava desde cedo: não se precisa MESMO de 90% das coisas que a gente compra. E dessa fase sem coisas, pude ver melhor as pessoas. E quando vi, precisei me segurar firme na fé. Porque boa parte delas não valia um livro meu. Já as que ficaram, são hoje a minha casa.

Segunda morte: o mundo ficou de mal porque eu não ia parar de trabalhar.

Logo eu, que tinha criado uma empresa de inteligência web com cultura homeoffice e modelo horizontal, lá em 2011, justamente para fomentar um mercado de trabalho mais justo (principalmente para as mulheres). Via aquela luta Ter filho X Ter carreira e nunca entendia porque as 2 coisas não podiam seguir juntas. E elas podem (não sem meia dúzia de pseudo ativistas de mil causas de fachada te chamarem de mulher maravilha com ironia, mas podem).
Vamos repensar o real processo da mulher no mercado de trabalho quando ela é mãe? Ou vamos continuar ora escravizando-as em casa por conta do filho enquanto o homem trabalha ou, a outra escolha não menos cruel,  que é ir pro trabalho morta por dentro por estar longe da sua cria? 
Só  que o caminho era muito maior à minha frente e segui como um touro solto na arena. Metade grávida, metade morta por saber que o machismo triplica quando você está prenha. E vem flechada de todo lado, inclusive, de onde menos se espera. Ouvi de tudo. Teve: vai pra casa, uai... cê não parou ainda?, desculpe querida mas agora que você está grávida vou cancelar o contrato e muitas outras coisas que acertaram meu estômago. Mas a beleza da vida dos corajosos é sempre ter as melhores surpresas. E no mesmíssimo lugar onde vivi isso, também me chegaram flores, abraços, sopa quente, um berçário na agência pra levar minha filha (com apenas 45 dias) e um monte de amor me guiando nessa tarefa.

Sim, ganhamos quiabo de presente.
Então, morri a segunda vez quando entendi que fazer uma mãe cuidar de uma criança sozinha é um crime. A gente precisa não só do pai dela como da vó, do primo, dos amigos, da vizinha, do motorista de ônibus, do mundo inteiro. Abandonar uma mulher que tem uma criança no colo não devia ser aceito em nenhuma sociedade. Mas, por aqui, não é isso que acontece. E quantas noites chorei me perguntando: meu Deus, como a fulana conseguiu? 4 filhos, sozinha, trabalhando pros outros, que dor! E alí também entendi que precisar de alguém não é terceirizar a maternidade. Eu queria criar minha filha e não delegar isso porque ai, a vida de quem trabalha é assim mesmo, boba... Pra mim não ia ser.

Essa é a Cinthia, do Mãe At Work, com as filhas Eva e Aurora:
a moça tá mudando tudo isso com a gente!

Terceira e não última morte: filho é  só UM dos projetos.

Desde antes de pensar em ter uma filha, eu já tinha certeza de que tinha (e tenho) muita coisa pra fazer nessa breve existência. Nunca me imaginei em casa de bobs e Canechom bordando as iniciais do meu marido num roupão mas também não imaginava que ia encontrar um cara tão absolutamente grandioso e forte pra ser o pai da minha filha.

Eu era infeliz e não sabia.
De parir a criar, fazer a comida, cantar, sofrer, decidir, ficar sem dormir, dar de mamar, se recuperar: em tudo ele tava junto, quase que fazendo também. Em absolutamente nenhum momento ele fugiu, deu desculpas ou não pôde. Ele pôde e foi por 3, 4, 5 pessoas ao mesmo tempo: por mim, pela nossa filha, por ele, pelo trabalho, pelo mundo. Naquela hora onde eu só tomava na cara por não achar que minha vida ia acabar, ele foi (e é) a maior inspiração pra uma moça malvada que antes tinha até uma certa preguicinha de homem (maioria machistão, bundão, imaturo e medroso). A sabedoria e a paciência dele me bateram na cara com força (que ironia) até entender que EU estava sendo machista. E dessa lição toda nasceu um dos projetos mais bonitos da minha vida, que está só começando. E não, não estou falando da nossa filha. Estamos construindo um mundo novo pra ela, pra gente, pra você, pra quem não acredita nisso também, com a cara e a coragem, e é a mesma sensação de nascer. Você chega pelado, sem saber nada, sem entender nada. E vai, bravo e corajoso, um dia de cada vez, se formando gente, se fazendo cada dia mais forte.

Uma vida é pouca.
E tem mais gente que nem o pai da Lis pelo mundo. Ufa!

Depois de tudo, fica a porrada. Cada vez que eu renascia dessas mortes, via um mundo mais caótico, confuso, raivoso e perdido. Só que, estranhamente, em vez disso tudo me deixar triste, me deixava mais esperançosa. Sinal de que as coisas estavam mudando. Sinal de que eu não fazia parte de uma minoria sonhadora que falava em mudança. EU ERA A MUDANÇA.

É hora de enfrentar a sociedade patriarcal. É duro mas a gente aguenta.
Hoje, tenho um orgulho danado de mim. Pelas minhas 20 horas de parto normal, por ter largado tudo, ressignificado tudo, lutado como uma doida pela minha verdade, por não ter aceitado entrar na caixinha da mulher indefesa que teve filho, por ter refeito tudo de um jeito MUITO MAIS HONESTO e melhor, por ter feito uma família, um lar, uma nova Marcela, em apenas 1 ano e 1 mês. Hoje, eu me respeito, trabalho com o que amo sem aceitar suborno de ninguém, muito menos de mim mesma, sem aceitar mediocridade, cercada de pessoas que admiro (e conhecendo outras tantas, a cada dia) e com projetos que não só acredito como fico envolvida até o último pedaço do útero.


Não existem mais farsas no meu dia, não existem meias verdades nem poses, nem máscaras, nem falsidade, nem cara amarrada, nem fofoquinha, invejinha, puxadinha de tapete, conversinha pelo corredor. Não existe corredor! Hoje, sou mais do que nunca uma FORMIGA pequenina e guerreira, trabalhando no meio de um milhão de outros bravos soldados nessa terra imensa, cuidando do meu pedação de futuro com garra e orgulho, lá debaixo da terra, sem holofote, sem querer Iphone 6, focada na missão de construir um mercado novo, justo, onde a gente não aceite mais tapa na cara, disputa, desrespeito e baixaria, lutando para que o consumo seja repensado, para que a educação das nossas crianças seja reformulada, para que as mulheres sejam respeitadas, para que aquele mundo egoísta das pessoas pequenas e donas de tudo seja implodido, porque como ele estava, não dava mais.


Hoje, sei que não sou a única. E se você me leu até aqui, também não é. Me escreve, me liga, me grita... vamos ser muito mais. Quem bom que tem a gente!

Com amor,
MB ;)






 
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